terça-feira, 22 de maio de 2018


O mistério entre o em mim e o perante mim


Gabriel-Honoré Marcel (1889-1973) , filósofo e dramaturgo francês de renome internacional, nasceu em 7 de dezembro de 1889 e faleceu e8 de outubro de 1973, em Paris.

Ao abordarmos a filosofia existencialista de Gabriel, ao que se refere à encarnação do homem e o seu mistério, o que vale aqui ressaltar, não se tratar da encarnação do Logos que se fez carne, ou seja o Cristo, mas uma  encarnação que  tem um olhar diferente ao do pensamento cristão. Quem vai discorrer sobre esse assunto como muita propriedade será o filósofo contemporâneo Gabriel Marcel.
Gabriel se converte ao catolicismo quando tinha 40 anos de idade. Foi por um longo tempo agnóstico. Gabriel Marcel foi contemporâneo de vários pensadores do seu momento, como Jean P. Sartre, Martin Heidegger, Merleau Ponty, Bergson , Paul Ricouer. Gabriel Marcel foi professor de Merleau Ponty e Paul Ricouer. O filósofo Sartre frequentava a sua casa e os dois discutiam filosofia, apresentando em alguns momentos posições diferentes.

Mistério

Gabriel Marcel foi o primeiro a afirmar que a filosofia não lida com problemas, mas com mistérios. O que seria problema na compreensão de Gabriel Marcel? Problema é tudo aquilo que se torna coisa (res), objeto. Problema é visto como um obstáculo à vida que precisa de uma solução. Gabriel Marcel afirma que problema é específico ao campo da ciência objetiva, empírica, mas que a filosofia não lida com problemas, mas com mistérios.  Mas o que seria esses mistérios? O mistério não se refere a situações abscônditas, escondidas, pelo contrário, mistério é aquilo que se dá a conhecer, sem se tornar objeto, sem se tornar posse.  No mistério quando perguntamos quem somos nós, nessa pergunta estamos presente a ela. Mistério é tudo aquilo que nos envolve sem se tornar coisa. 
A filosofia segundo Marcel restitui para nós o peso ontológico do mistério da existência. E essa existência é sentida é vivida é uma relação de mistério, não a partir de uma ideia pré-estabelecida, mas da própria encarnação, encarnação esta que acontece na própria vida, não sendo esta encarnação como mencionado antes, nada que se relacione com o cristianismo, mas encarnação enquanto corpo humano.

O corpo, um imã

O que faz esse corpo? O corpo se relaciona com o mundo, com os outros, com as coisas ao redor. O corpo é uma espécie de imã no espaço e no tempo, o corpo é como uma imantação.  Gabriel na sua filosófica ele vai dizer que ele não tem um corpo, não se trata de posse, mas que ele é um corpo e isso é encarnação.  A encarnação possibilita as relações, a comunhão.  Nesse sentido a encarnação como mistério em Gabriel Marcel tem um valor ontológico de participação junto ao outro.
Gabriel Marcel foi, provavelmente, um dos primeiros filósofos existencialista cristão.  Enquanto Jean Paul Sartre, ateu,  afirma que a existência precede a essência, Marcel contrapõe esse argumento afirmando que a essência ocorre na relação com o outro e esse outro, segundo ele pode ser o Cristo. Ele vai dizer que existe um jeito de eu me fazer humano de me construir humano através da mímese de Cristo.
Gabriel Marcel foi aluno de filosofia na Soborne, França, estudou o idealismo kantiano, ou seja, uma filosofia fora de um contexto concreto, uma coisa pronta e definida.  Ele aprendeu muito sobre a filosofia kantiana, mas ao mesmo tempo Gabriel vai ter algumas aulas no colégio de Francis com o filósofo Bergson e com este filósofo ele percebe que pode haver uma filosofia do concreto, do cotidiano.

No período da primeira guerra mundial e aos 20 anos de idade, Marcel recém-formado vai servir na guerra como aquele que tem a função de dar notícias ruins. Foi a ele atribuído avisar aos familiares os seus entes mortos na batalha. Nesse momento terrível da relação com a vida e a morte ter que responder aos pais sobre os filhos mortos na guerra que o  levou a refletir que tudo aquilo que ele aprendeu quando estudou o idealismo, sobre o mundo das essências, do mundo ideal, distante,  não contribuiu em nada para aqueles momentos de dor, a fim de dar uma resposta sobre os dramas da existência.  Através dessa reflexão ele percebeu que precisava de uma filosofia que vai ao encontro do ser humano. Uma filosofia concreta que veja o outro como o outro. Uma filosofia, onde pode ser sentida a mordedura do real. É a partir daí que ele começa a pensar na filosofia do concreto. Ele passa a se interessar pela filosofia e percebe a existência como mistério, uma encarnação, sendo ele um corpo, num processo de comunhão com toda a existência. 


O outro

Sartre nos diria que o outro é aquele que nos limita, por ser aquele que está constantemente a nos olhar.  O outro é tudo aquilo que me define. Por isso a sua frase célebre ao dizer que “o infernos, ou seja, o outro é tudo aquilo que não sou.  Marcel já diz diferente de Sartre. O outro não é aquele me limita, mas é alguém que me expande. Só na comunhão com o outro que me percebo quem de fato eu sou. O outro é uma caixa de ressonância para mim, de espelho.  O outro não é um inferno. O outro é a possibilidade de comunhão, o outro é uma complementaridade à existência.  O outro está em mim e perante mim.