terça-feira, 22 de maio de 2018


A percepção um estágio pré-refletido

O ponto de vista da filosofia ocidental a partir de Sócrates , assim como na filosofia moderna, entendia-se que a percepção era algo precário ao conhecimento ou algo que vinha a atrapalhar o processo cognitivo, por ser afirmar que a percepção engana a nossa visão, a nossa audição, ao percebermos as coisas principalmente aquelas que se encontram distante de nós e ao ouvirmos. Só que essa forma de pensar passou por uma correção, porque não é o intelecto, não é razão que nos faz termos a percepção das coisas no mundo. 

No século XX essa maneira de entender o mundo e as coisas que nos cerca foi analisada de outra forma, contrariando essa maneira de pensar, pelo Filósofo francês, Maurice Merleau-Ponty (1908 – 1961). Ponty possui duas principais abordagens filosóficas: A fenomenologia e o existencialismo. Para ele a fenomenologia é a ciência que observa o mundo antes do conceito e da ideia. E o existencialismo é saber que o homem está no mundo, não sendo o homem a continuação do próprio mundo e sim pertencente a ele.  Este acusou aquilo que durante toda a história da filosofia que tudo estaria voltado para o intelecto, mas sem que isso fosse devidamente justificado. A pergunta que Ponty faz é a seguinte: Se estamos no mundo, sem nenhuma ideia preconcebida, o que nos toca mais é a percepção que temos das coisas, a maneira como elas chegam até nós, via os sentidos ou é o nosso pensamento já elaborado a respeito das coisas? Ele chega a conclusão que a percepção é o nosso primeiro contato com as coisas a exemplo da psicologia infantil, como na vida adulta, a questão de ordem cultural, o ponto de vista das nossas relações com as coisas e também com os outros.  Percebemos então que há certa relação sensível, com o mundo, com as coisas que passa pela sensibilidade antes de se transformar num pensamento elaborado.

A partir daí se conclui que a percepção é o nosso contato imediato com o mundo, com as coisas. Mas por uma série de razões que se estendem pelos longos anos da filosofia ocidental, ouve uma fuga desse contato primário que tem sido refeito pelo ponto de vista intelectual, em razão da nossa cultura ocidental que nos ensinou, de maneira quase que radical que verdade é coisa do pensamento. A verdade vai ser algo que diz a respeito a nossa mente, nosso intelecto e dificilmente estaria numa relação direta e sensível com as coisas, mas numa relação dicotômica como em Platão no seu mundo sensível e o mundo ideal, como também em René Descarte como o seu cogito ergo sum  .
Todavia, parece não ser bem assim! O nosso estar no mundo antes de sofrer uma elaboração intelectual ele é primariamente alguma coisas que nós sentimos. Sentimos o mundo, o vivenciamos diretamente através do nosso aparato psicobiológico, sendo algo muito mais imediato e direto. Se quisermos retornar a origem do nosso conhecimento, a origem do nosso modo de existir precisará retornar ao estágio da percepção, chamado por Merleau-Ponty de pré-reflexão. Ou seja, a nossa vida não é sempre toda ela refletida, como se tudo o que nós fizéssemos e tudo o que nós fôssemos e tudo o que nos acontece atingisse o nosso intelecto. Então essa vida pré-reflexiva, pré-intelectual  que é a originária.
Se a preocupação da filosofia é a volta as origens, Merleau-Ponty propõe que essa volta seja feita através da recuperação da pré-reflexão. Isto é, que a percepção seja algo que nos revele o mundo pela primeira vez, pois sendo assim, a percepção deverá gozar de certa prioridade e até mesmo de certa superioridade sobre o conhecimento elaborado. Aquilo que nos é dado mais diretamente parece nos trazer uma verdade mais efetiva, muito mais autêntica, do que aquilo que construímos através do nosso pensamento que dicotomiza a realidade.  A percepção não é uma construção, a percepção é o modo de sentir o mundo, por ser ela   originária,  primária, primordial com as coisas, com as outras pessoas e de cada um consigo mesmo.

Contra o subjetivismo filosófico e contra o objetivismo científico

Merleau-Ponty ao escrever uma fenomenologia da percepção, se ocupou, nessa obra, com situações que tem estado presente no pensamento filosófico ocidental, tais como a relação alma e corpo, consciência e mundo e homem e natureza. Merleau-Ponty como já visto acima, era contrário as formas dicotômica. Exemplos: dicotomia entre alma e corpo, a dicotomia entre consciência e mundo, ou mesmo que dizer entre o sujeito e o objeto. Essas separações dominavam o pensamento científico quanto o filosófico.
A filosofia identificava a realidade com as ideias posta pelo sujeito do conhecimento, caindo assim no subjetivismo.  A ciência identificava a realidade como os objetos construídos por ela,  caindo no objetivismo.  Contra o subjetivismo filosófico e o objetivismo científico Merleau-Ponty escreveu:
Nós não somos uma consciência cognitiva pura, nós somos uma consciência encarnada num corpo. O nosso corpo não é um objeto como descrito pela ciência, mas um corpo humano, habitado e animado pela consciência. Nós não somos pensamento puro porque somos um corpo, mas nós na somos uma coisa porque somos uma consciência. Nós somos seres temporais... A percepção, reafirmo, é uma forma de sentir o mundo. Como tal deve ser valorizada e priorizada em nossa relação como o universo, com as pessoas e também conosco para que possamos assim perceber todas as suas nuances. Portanto, somos seres espaciais, estamos em vários lugares, preenchendo os espaços. Ouvimos enquanto falamos e, por vezes, falamos enquanto ouvimos. Quando tocamos também somos tocados. Quando vemos, por vezes, também somos vistos. Nosso corpo é a nossa forma de se ser no mundo. Por isso, buscar percebê-lo dentro deste processo que é viver é o essencial ao nosso autoconhecimento e ao entendimento daquilo que nos rodeia também.”

O tempo existe porque existimos

Através da filosofia de Ponty há duas perguntas e repostas elaboradas através da sua percepção de mundo:  A nossa capacidade de percebermos o mundo iria até aonde? Sendo o mundo, tempo e se apresenta de várias formas, não estamos no mesmo lugar, pois o enxergamos de várias maneiras! Mas como saber se estamos no mesmo mundo? Quando interagimos com o mundo. O mundo somos nós, e nós somos o mundo. Nós somos tempo. Somos consciência pretérita e do que há de vir.  O tempo existe porque existimos”

Merleau Ponty apresentou duas abordagens filosóficas: A fenomenologia e o existencialismo.  Os seus estudos foram voltados para o homem, enquanto ente existente. Os seus primeiros pensamentos e obras foram inspirados pelo pai da fenomenologia Edmund Husserl. Ponty acredita em duas principais e mais importantes características que se relacionam ao existencialismo. A primeira característica que o homem é um grande projeto a ser construído e isso se torna possível a partir de sua experiência com o mundo.  A segunda característica é a inexistência da essência, portanto o homem é aquilo que se idealiza.  O homem é foco do debate sobre o conhecer. Para Merleau Ponty a filosofia permite novo aprendizado do olhar sobre o universo que o envolve. O homem está no mundo, o que quer dizer que este não é a continuação do próprio mundo e sim pertencente a ele.
Merleau Ponty criticava as ideias racionalistas, principalmente, as ideias de Descartes que negava os sentidos como forma de experiência sensível.  Ao contrário, Ponty, acreditava que a realidade é formada pela nossa consciência e todo conhecimento limita-se ao mundo dos fenômenos. Segundo o filósofo somos uma consciência que capta através do corpo as coisas em torno, por isso não há como separar consciência e homem como fez Descartes.

Para Maurice Ponty o conceito de corpo é primordial, ao dizer “O meu corpo é o meu ponto de vista sobre o mundo”. A percepção irá ser a introdução do corpo no mundo. A descrição da realidade só pode ser feita conforme ela se apresenta, pois o conhecimento é construído pela percepção e esta é particular, imperfeita e incompleta.  Como já foi dito tem como foco a relação do homem com o mundo. Para ele a percepção é uma vivência. Toda percepção é uma forma de estabelecer sentido. Uma relação do sujeito com  o mundo ou natureza.

Membro fantasma

Em seu estudo sobre a fenomenologia há uma grande contribuição com a ciência cognitiva, uma vez que para ele não existia somente experiência mental, mas também experiência corporal, chegando a conclusão que mente e corpo na são entes separados. Ambos são partes de um único sistema. O seu estudo levou a explorar uma investigação sobre o membro fantasma situação essa que o sujeito amputado sente o membro perdido. Ele afirma que o corpo na é simplesmente uma máquina, pois se fosse o corpo não reconheceria essa parte ausente. Para ele o corpo nunca é apenas um corpo.  É sempre um corpo vivido.
Teria a filosofia de Maurice Merleau Ponty um percurso suficiente ao saber? Não. O filósofo se recusa instalar de modo absoluto o saber, contudo a reflexão sobre os seus pensamentos nos traz grandes contribuições. “A ilusão nos engana justamente fazendo-nos passar por uma percepção autêntica” Na compreensão Pontyana a realidade é uma ilusão, assim como a certeza de um determinado fato ocorrido. A razão de uma ação é desconhecida e avaliá-las é uma prática de ilusão.
O mundo é uma constante ilusão.