Jean-Paul-Sartre (1905-1980)
EXISTENCIALISMO
Sartre escreveu um livro intitulado O ser e o Nada que foi a sua principal
obra filosófica, em 1943. Sofreu forte influência da fenomenologia de Husserl e
da filosofia de Heidegger.
Numa artigo que Sartre escreveu
sobre Husserl, lemos:
“O espírito-aranha atirava as
coisas em sua teia, as cobria de uma baba branca e lentamente a deglutia,
reduzindo-a em sua própria substância."
Sartre faz uma crítica ao
pensamento francês da sua época mostrando que o
conhecimento era adquirido, comparadamente, a uma deglutição animal,
conforme a figura da aranha que atira as coisas em sua teia, cobrindo-as com
uma baba branca e de maneira lenta, deglutindo-as. A partir daí que Sartre verá em Husserl a
melhor compreensão da filosofia se contrapondo a estágio primitivo, segundo
ele, do conhecimento. E contra tudo isso, Sartre aponta a novidade de Husserl
que é a impossibilidade de dissolver as coisas na consciência, contrariando a
doutrinação espiritualista francesa dos séculos XVIII, XIX e XX em que o
espírito-aranha deglute na consciência o que foi apreendido de fora para
ela. Sartre combate esse pensamento por
entender que a consciência não é um receptáculo e também não é nenhum órgão que
tenha como função metabolizar a realidade.
Na interpretação do Sartre sobre
a fenomenologia husserliana é que consciência e mundo surgiriam
simultaneamente. O mundo surge para a consciência ao mesmo tempo em que escapa
dela. Vamos aqui exemplificar a fim de tornarmos menos denso. Sartre diz o
seguinte: “Se eu vejo uma árvore eu a vejo onde ela está. Eu não preciso que
ela entre na minha consciência para que eu a perceba, nem muito menos preciso
que a minha consciência se perca nela.” Sartre com isso deseja mostrar que
“não se pode sem desonestidade comparar o conhecimento com a posse.” Conhecer
não é apoderar-se das coisas. Então, o que é conhecer? Qual é a atividade que a
consciência desempenha no conhecimento? A consciência vai na direção das
coisas, ela vai como escorregando na direção das coisas. É aqui que se explica
a intencionalidade husserliana, no sentido de perceber as coisas.
A partir
dessa compreensão que o Sartre tem da concepção de consciência proposta por
Husserl que ele (Sartre) chamará de “translucidez” ou seja a consciência
translúcida. Isto significa dizer que a consciência é um vazio, um simples
movimento, ela é um ato. Sartre vai
dizer que a consciência é “um vento que se lança livre em direção das coisas.”
Com isso ele queria deixar evidente que a consciência não tem como função
aprisionar as coisas por ela não ser um compartimento intelectual.
René descartes havia definido a
consciência como uma coisa pensante. Descarte via a consciência como uma
essência e Husserl discordam mostrando que a consciência é apenas um movimento.
Sartre entra em cena para dizer que não sendo a consciência um compartimento
fechado, tudo, então, está fora. E até nós mesmos estamos fora de nós mesmos,
ou seja, fora entre os outros, “na rua, na cidade, no meio da multidão, coisa
entre coisas, homens entre homens”. Sartre vê a consciência como uma
intencionalidade pura, como um simples movimento na direção das coisas.
No seu livro O Ser e o Nada
Sartre diz que “o primeiro passo da filosofia é expulsar as coisas da
consciência e restabelecer a relação entre a consciência e o mundo. A saber a
consciência como consciência do mundo.” Uma consciência posicional, diz ele.
Uma consciência que posiciona os objetos
e se posiciona frente a eles. Sartre desenvolve o seu pensamento numa ontologia
baseada nessa oposição. A consciência como um vazio, como um movimento e as
coisas na densidade que as caracteriza.
No existencialismo sartriano essa
consciência, esse vazio ele chamará de para-si
e o ser denso todo fechado ele chamará de em si. O termo que Sartre usa para designar a consciência, para- si, causa certo estranhamento,
porque a ideia que se tem dessa preposição para
não deve ser entendida como um retorno, uma volta reflexiva para si, jamais ele
propôs isso. Ele está querendo dizer
exatamente o contrário. O para sartriano
significa para fora, ou seja, a consciência deve lançar-se para fora. Mas não é
para-si? Só que este si está fora. Aqui que se encontra o
centro da concepção sartriana de sujeito, que depois reaparece na psicanálise lacaniana.
O si ou si mesmo onde ele está? Não dentro de si como pensava os
cartesianos, mas está fora de si, de
si mesmo. Esse para-si é um movimento
para atingir o sujeito. Nós somos um movimento para chegarmos a nós mesmos.
Esse movimento, portanto, nunca se completa. O sujeito, portanto, não volta
para si, ele vai à direção de si porque este si está fora dele.
O para si que é o para fora de
nós que se opõe aquilo que está diante dele, o mundo, as coisas, essa coisa
aparentemente maciça, Sartre chamou de em
si. Este é o denso de realidade. Todo fechado em si mesmo, provavelmente
esteja aí a razão do seu livro: O Ser e
o Nada. Nada. Em razão da nossa linguagem se encontrar permeada pela ontologia grega não temos como nos
libertarmos do verbo ser ao dizermos
que a consciência é nada. Quando
afirmamos que a consciência é, já estamos dizendo que ela é alguma coisa. Mas
não é isso. Não tem como nos livrarmos do é.
O para si não se constitui como ser,
mas se constitui como a negação do ser em si. Quando falamos de sujeito não
falamos de uma realidade afirmativa, mas de uma realidade negadora. A
consciência se constitui ao negar aquilo que está diante dela. Se a consciência
realizasse a sua trajetória na direção do seu si, onde esse para na direção de
se consumasse, então o sujeito se transformaria no ser, se transformaria no em-si
e deixaríamos de ser esse processo constante que é a nossa consciência. Quando
afirmamos que a consciência não tem ser,
queremos dizer com isso que a realidade humana não tem ser fixado numa
essência. Assim entendemos que a consciência não está para si, mas se projeta,
se lança na direção de si mesma, sem, no entanto, nunca se alcançar.
A consciência ou o sujeito não é
coisa alguma ele é o que ele se faz. Existir não é algo da ordem do ser, mas é
algo relacionado com o processo, com o vir-a-ser, com o tornar-se. A
consciência é um constante transcender-se, ou seja, é um ir para fora de si
tentando superar-se. O ser humano é um projeto. Mas aqui parece haver uma
contradição? Um projeto é algo que ainda não é. Mas isso mesmo que Sartre quer
dizer como projeto. Esse paradoxo é proposital. Nós somos aquilo que ainda não somos. Mas quem projeta, quem
está por trás desse projeto? Sartre vai dizer que é a liberdade. O constante
projetar-se, o constante transcender-se não outra coisa senão a liberdade. Primeiro o homem existe, se descobre, surge no mundo e só depois será conforme se fizer, de acordo com o que tiver projetado.
Aqui então há algo muito importante a ser observado que a liberdade não é um atributo do sujeito. A questão não é saber se o sujeito é ou não é livre. Ao definirmos a consciência com esse movimento, como ato, como o vento, isso é a liberdade. Não é se o sujeito tem ou não tem a liberdade. Ele é a liberdade. Somos livres para tudo, menos pares deixarmos de sermos livres. O sujeito é livre para qualquer opção, menos para não optar. É algo impossível. Por isso da famosa frase de Sartre: “O homem está condenado a ser livre”.