sexta-feira, 11 de maio de 2018


Jean-Paul-Sartre (1905-1980)

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EXISTENCIALISMO

Sartre escreveu um livro intitulado O ser e o Nada que foi a sua principal obra filosófica, em 1943. Sofreu forte influência da fenomenologia de Husserl e da filosofia de Heidegger.  
Numa artigo que Sartre escreveu sobre Husserl, lemos:
“O espírito-aranha atirava as coisas em sua teia, as cobria de uma baba branca e lentamente a deglutia, reduzindo-a em sua própria substância." 

Sartre faz uma crítica ao pensamento francês da sua época mostrando que o  conhecimento era adquirido, comparadamente, a uma deglutição animal, conforme a figura da aranha que atira as coisas em sua teia, cobrindo-as com uma baba branca e de maneira lenta, deglutindo-as.  A partir daí que Sartre verá em Husserl a melhor compreensão da filosofia se contrapondo a estágio primitivo, segundo ele, do conhecimento. E contra tudo isso, Sartre aponta a novidade de Husserl que é a impossibilidade de dissolver as coisas na consciência, contrariando a doutrinação espiritualista francesa dos séculos XVIII, XIX e XX em que o espírito-aranha deglute na consciência o que foi apreendido de fora para ela.  Sartre combate esse pensamento por entender que a consciência não é um receptáculo e também não é nenhum órgão que tenha como função metabolizar a realidade.

Na interpretação do Sartre sobre a fenomenologia husserliana é que consciência e mundo surgiriam simultaneamente. O mundo surge para a consciência ao mesmo tempo em que escapa dela. Vamos aqui exemplificar a fim de tornarmos menos denso. Sartre diz o seguinte: “Se eu vejo uma árvore eu a vejo onde ela está. Eu não preciso que ela entre na minha consciência para que eu a perceba, nem muito menos preciso que a minha consciência se perca nela.” Sartre com isso deseja mostrar que “não se pode sem desonestidade comparar o conhecimento com a posse.” Conhecer não é apoderar-se das coisas. Então, o que é conhecer? Qual é a atividade que a consciência desempenha no conhecimento? A consciência vai na direção das coisas, ela vai como escorregando na direção das coisas. É aqui que se explica a intencionalidade husserliana, no sentido de perceber as coisas. 

A partir dessa compreensão que o Sartre tem da concepção de consciência proposta por Husserl que ele (Sartre)  chamará de “translucidez” ou seja a consciência translúcida. Isto significa dizer que a consciência é um vazio, um simples movimento, ela é um ato.  Sartre vai dizer que a consciência é “um vento que se lança livre em direção das coisas.” Com isso ele queria deixar evidente que a consciência não tem como função aprisionar as coisas por ela não ser um compartimento intelectual.
René descartes havia definido a consciência como uma coisa pensante. Descarte via a consciência como uma essência e Husserl discordam mostrando que a consciência é apenas um movimento. Sartre entra em cena para dizer que não sendo a consciência um compartimento fechado, tudo, então, está fora. E até nós mesmos estamos fora de nós mesmos, ou seja, fora entre os outros, “na rua, na cidade, no meio da multidão, coisa entre coisas, homens entre homens”. Sartre vê a consciência como uma intencionalidade pura, como um simples movimento na direção das coisas.

No seu livro O Ser e o Nada Sartre diz que “o primeiro passo da filosofia é expulsar as coisas da consciência e restabelecer a relação entre a consciência e o mundo. A saber a consciência como consciência do mundo.” Uma consciência posicional, diz ele. Uma consciência que  posiciona os objetos e se posiciona frente a eles. Sartre desenvolve o seu pensamento numa ontologia baseada nessa oposição. A consciência como um vazio, como um movimento e as coisas na densidade que as caracteriza.

No existencialismo sartriano essa consciência, esse vazio ele chamará de para-si e o ser denso todo fechado ele chamará de em si. O termo que Sartre usa para designar a consciência, para- si, causa certo estranhamento, porque a ideia que se tem dessa preposição para não deve ser entendida como um retorno, uma volta reflexiva para si, jamais ele propôs isso.  Ele está querendo dizer exatamente o contrário. O para sartriano significa para fora, ou seja, a consciência deve lançar-se para fora. Mas não é para-si? Só que este si está fora. Aqui que se encontra o centro da concepção sartriana de sujeito, que depois reaparece na psicanálise lacaniana. O si ou si mesmo onde ele está? Não dentro de si como pensava os cartesianos, mas está fora de si, de si mesmo. Esse para-si é um movimento para atingir o sujeito. Nós somos um movimento para chegarmos a nós mesmos. Esse movimento, portanto, nunca se completa. O sujeito, portanto, não volta para si, ele vai à direção de si porque este si está fora dele.

O para si que é o para fora de nós que se opõe aquilo que está diante dele, o mundo, as coisas, essa coisa aparentemente maciça, Sartre chamou de em si. Este é o denso de realidade. Todo fechado em si mesmo, provavelmente esteja aí a razão do seu livro: O Ser e o Nada. Nada.  Em razão da nossa linguagem se encontrar permeada pela ontologia grega não temos como nos libertarmos do verbo ser ao dizermos que a consciência é nada. Quando afirmamos que a consciência é, já estamos dizendo que ela é alguma coisa. Mas não é isso. Não tem como nos livrarmos do é.

O para si não se constitui como ser, mas se constitui como a negação do ser em si. Quando falamos de sujeito não falamos de uma realidade afirmativa, mas de uma realidade negadora. A consciência se constitui ao negar aquilo que está diante dela. Se a consciência realizasse a sua trajetória na direção do seu si, onde esse para na direção de se consumasse, então o sujeito se transformaria no ser, se transformaria no em-si e deixaríamos de ser esse processo constante que é a nossa consciência. Quando afirmamos que a consciência não tem ser, queremos dizer com isso que a realidade humana não tem ser fixado numa essência. Assim entendemos que a consciência não está para si, mas se projeta, se lança na direção de si mesma, sem, no entanto, nunca se alcançar.

A consciência ou o sujeito não é coisa alguma ele é o que ele se faz. Existir não é algo da ordem do ser, mas é algo relacionado com o processo, com o vir-a-ser, com o tornar-se. A consciência é um constante transcender-se, ou seja, é um ir para fora de si tentando superar-se. O ser humano é um projeto. Mas aqui parece haver uma contradição? Um projeto é algo que ainda não é. Mas isso mesmo que Sartre quer dizer como projeto. Esse paradoxo é proposital.  Nós somos aquilo que ainda não somos. Mas quem projeta, quem está por trás desse projeto? Sartre vai dizer que é a liberdade. O constante projetar-se, o constante transcender-se não outra coisa senão a liberdade. Primeiro o homem existe, se descobre, surge no mundo e só depois será conforme se fizer, de acordo com o que tiver projetado. 

Aqui então há algo muito importante a ser observado que a liberdade não é um atributo do sujeito. A questão  não é saber se o sujeito é ou não é livre. Ao definirmos a consciência com esse movimento, como ato,  como o vento, isso é a liberdade. Não é se o sujeito tem ou não tem a liberdade. Ele é a liberdade. Somos livres para tudo, menos pares deixarmos de sermos livres. O sujeito é livre para qualquer opção, menos para não optar. É algo impossível. Por isso da famosa frase de Sartre: “O homem está condenado a ser livre”.