sexta-feira, 20 de abril de 2018

Nietzsche
Deus está morto! 
A oração ao Incompreensível!

Nietzsche foi um filósofo da desconfiança. Desconfiança das afirmações que para ele tinha um tom de suspeição. Ele desconfiava das convicções, das afirmações categóricas sobre as coisas, das crenças, ou seja, suspeitava de tudo aquilo que se acredita. A natureza humana a qual ele se inclui, era um dos grandes motivos de desconfiança e suspeição. Diferentes dos filósofos dogmáticos que chegam às verdades definitivas, o pensamento de Nietzsche é profundamente experimental. Ele coloca os pensamentos sob suspeita e investigação, assim sendo, até o seu próprio pensamento.

A cada conclusão atingida, ele precisava desconfiar dela para poder prosseguir. Aqui, talvez pareça que possamos exemplificar com o pensamento de Edgar Morin que “todo saber é transitório.” Logo, as afirmações de agora, não serão as afirmações do depois. Aquilo que se afirmava ser visto como antagônico ao outro, em Nietzsche não há dualismo. Os conceitos de certo e errado, sim e não, verdadeiro e falso são maneiras que se tem de separar. Na verdade, esses termos são inseparáveis, caminham juntos, um também é o outro.

O que era a vida para Nietzsche? Partindo do filósofo pré-socrático Heráclito que afirmou que “não se pode banhar na água do mesmo rio suas vezes” tudo é movimento, assim era a vida para Nietzsche. A vida é impermanência. A vida não é estática. A vida não é uma coisa que se tem, que se possui. A vida é um processo que nos leva a mudar de estado, permanentemente, a vida é luta. E a luta não é externa, entre as pessoas que estão ao redor, mas uma luta interna. Ao olharmos para as funções da fisiologia humana, as lutas que os glóbulos brancos travam no interior do organismo para defender o corpo de invasores estranhos. É uma também a luta que se tem contra os nossos impulsos. Com qual objetivo? Nenhum. Isso em razão das várias resultantes que se obtém, nunca sendo as mesmas. Isso é viver, não tendo como ter controle absoluto sobre nada na vida.

A vida não é dogmática. A vida é oscilação. E a razão onde fica? Ela não fica em lugar nenhum. A razão está inserida nos impulsos, nas paixões. Isso fica fácil de ser entendido, em razão do ser humano ser uma multiplicidade, a exemplo das funções que cada órgão tem no corpo. Nesta forma de perceber, entendemos que as coisas agradáveis e desagradáveis estão muito juntas, muito imbricadas. O ser humano é um ser plural, jamais singular. Um dos poemas de Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa, lemos: “Vivem em mim inúmeros.” Esta a ideia está presente no filósofo Nietzsche. Há um episódio bíblico que Jesus pergunta a um homem que havia saído do cemitério qual era o seu nome o que este respondeu, dizendo: “Meu nome é legião porque somos muitos.” Há no ser humano um albergue, onde habita várias vozes. A vida é holística não há separações. Os múltiplos se intercambiam, se comunicam entre si continuamente. Há uma tessitura muito arraigada, coesa, uma urdidura permanente. Mas quando alguma coisa se altera nesse holismo, altera todo o resto, tudo se modifica, gerando uma certa desordem. E isso se aplica a tudo na vida e como ela é. Deus está morto.

Nietzsche vem de uma família luterana tanto da parte do pai, como por parte da mãe. O pai morre bastante jovem aos 36 e Nietzsche se vê em certo momento destinado a ser pastor como o pai. A viúva, junto com Nietzsche e a sua filha Elizabeth se mudam da paróquia onde moravam para um outra cidade, onde estão estabelecidas a família da mãe de Nietzsche. Ele então foi estudar numa escola bastante renomada e aprende toda uma cultura humanista, aprende grego, latim, literatura e tudo aquilo que envolve o conhecimento. Aprofundou-se em filologia e estudou muitos textos gregos antigos. Abandonando muito depois a filologia passou a estudar filosofia e a se identificar muito com ela. E a partir desse momento ele se assume como filósofo. No seu livro A Gaia Ciência Nietzsche declara que Deus está morto. E o que significa isso? O filósofo pré-socrático Tales de Mileto, século VI antes de Cristo, afirma que “tudo está cheio de deuses”. A partir daí, a partir dessa reflexão, ao ler muito os pré-socráticos, Nietzsche chega a conclusão que Deus está morto. Como assim?

 O pensamento platônico vai introduzir duas realidades de mundo. Um mundo que somos obrigado a viver e o mundo das ideias. Um é o mundo sensível e o outro o mundo das idealizado. Assim, no entender de Nietzsche, o cristianismo é um platonismo para o povo. Ele percebe que o "Deus" da religião é sem vida. É uma construção no imaginário humano, já dizia Feuerbarch. O cristianismo, enquanto religião trouxe uma grande desgraça ao entendimento de muitos. A religião cria um “Deus” a sua imagem e semelhança. E esse “Deus” criado pela religião está cheio de dogmas, carregado de interdições, um “Deus” fraco um “Deus’ que precisa  morrer mesmo.

 É justamente este “Deus” que Nietzsche matou. Todavia o Deus de sua fé foi revelado na sua oração Ao Deus Desconhecido:

Antes de prosseguir no meu caminho 
E lançar o meu olhar para frente 
Uma vez mais elevo, só, minhas mão a Ti, 
Na direção de quem eu fujo. 
A ti, das profundezas do meu coração, 
Tenho dedicado altares festivos, 
Para que em cada momento 
Tua voz me possa chamar. 
Sobre esses altares está gravada em fogo
 Esta palavra: "ao Deus desconhecido" 
Eu sou teu, embora até o presente 
Me tenha associado aos sacrílegos.
 Eu sou teu, não obstante os laços 
Me puxaram para o abismo. 
 Mesmo querendo fugir Sinto-me forçado a servi-Te. 
Eu quero te conhecer, ó Desconhecido! 
Tu que me penetras alma 
E qual turbilhão invades minha vida.
 Tu, o Incompreensível, meu Semelhante. 
Quero te conhecer e a Ti servir.  

Friedrich Nietzsche (1844-1900) em Lyrisches und Spruchhaftes (1858-1888). O texto alemão pode ser encontrado em Die schonsten von Friedrich Nietzsche Taschenbuch, Zurich 2000, 11-12 ou em F. Nietzsche Gedichte, Diogenes Verlag, Zurich, 1994.