terça-feira, 28 de agosto de 2012

REFLEXÃO SOBRE O AMOR ROMÂNTICO





"O amor que supomos sentir pelos outros nada mais é do que o amor que deveras sentimos por nós mesmos projetados em outro ser" (Freud).

Numa das atividades profissionais que exerço, me identifiquei e comecei a interessar-me pela pessoa de meus analisandos (pacientes), não apenas pelo que relatam. O interesse pela vida deles, pela família, suas dores e seus amores tornaram-se para mim de grande importância, mesmo porque, como intervencionista, de situação que às vezes me exige ser, e em virtude das observações obtidas, ajudam-me a ajudá-los a se perceberem melhor. Todavia, eu sou o não saber, eles "quem sabem e têm a resposta". O saber, sobre eles e conduzi-los a se perceberem, tem sido algo para mim de empenho, a fim de obter resultados que venham trazer uma compreensão afim de que eles percebam como lidar com as ambigüidades e conflitos que todos experimentamos. Contudo, tenho observado, que quase todos transmitem desgosto e desânimo pela vida. De uma forma ou de outra, percebo em cada história um traço de desamor. Algo negado, escondido, camuflado, mas presente, advindo do ambiente familiar.

O que me propronho neste artigo é focalizar a minha atenção no amor, inserido numa abordagem romântica, esperando contribuir com aquilo que será exposto a seguir, de forma que eu o convido avançar comigo e caso se torne difícil, pare, mas evite ignorar.
O texto não objetiva fazer qualquer negação sobre a existência do amor, mas tenta entendê-lo como ele existe, onde se encontra e a quem realmente o amor está direcionado.

O que é o amor e o que nós amamos numa linha horizontalizada? Poderíamos considerar segundo Násio que o amor é a presença em fantasia do amado no meu inconsciente assim sendo, o amor permanece sendo um mistério impenetrável, que não se explica, apenas se constata. Entretanto, o que seria essa fantasia do amado? Talvez um desejo que a pessoa amada suscita em mim e eu nela nos unindo.

Mas fica ainda uma outra pergunta, de que maneira o amor existe? Fernando Pessoa sempre se interessou pelas coisas que não existem: “o que me dói não é o que há no coração, mas essas coisas lindas que nunca existirão... são as formas sem forma que passam sem que a dor as possa conhecer ou as sonha o amor”

Quando alguém declara; "deixa eu te amar" faz-se necessário compreender e entender a conotação e que canção esse amor quer expressar. Não é criar qualquer expectativa, mas viver um amor que os gregos sabiam diferenciá-lo, sendo quatro as maneiras de se amar. Onde as coisas eram sempre naturais e lícitas, entre amigos, tendo cada um a sua própria liberdade. Não é uma negação ao prazer, mas viver, o que não é banal, desde que exista uma identificação carinhosa de afeto e respeito. Não idealizando nada, vivendo somente aquilo que é bom e o que se necessita sem enlaces e amarras. Pois o que é a vida? "Apenas como neblina que aparece e logo se dissipa". Vivamos!

Manoel de Barros poeta mato-grossense declara sobre a não existência: “As coisas que não existem são mais bonitas...” Paul Valèry afirma “que seria de nós sem o socorro das coisas que não existem?” Guimarães Rosa mais uma vez dá a sua contribuição aqui ao afirmar: “Tudo é real porque tudo é inventado”

Os artistas fazem amor com o que não existe. Trabalham para dar forma sensível a esse objeto, sabendo que ele sempre lhes escapará. “Por mais rosas e lírios que me dês, eu nunca acharei que a vida é bastante. Faltar-me-á qualquer coisa, sobrar-me-á sempre o que desejar...” (Fernando Pessoa). Sendo assim estamos destinados a fazer amor com que não existe. Já dizia Rubem Alves que amamos uma pessoa não por aquilo que ela é, mas pelo manto de fantasia com que a cobrimos. Ao falarmos sobre o amor romântico percebemos que ele é construído em torno da projeção e da idealização de uma imagem em vez da realidade. A pessoa amada não é percebida com clareza, mas através de uma névoa que distorce  o real.

John Money, em Love and Love sickness, coloca um enigma a ser resolvido, baseado no teste de Rorschach. A pessoa testada olha para uma série de borrões de tinta de vários formatos e diz o que eles sugerem, ou seja, é perguntado a pessoa o que seu amado e um borrão de tinta de Rorschach têm em comum? A resposta é que a pessoa projeta uma imagem sua sobre o borrão de tinta e sobre seu amado. Ela se apaixona não por seu amado em si, mas por ele como um borrão do Amor de Rosrschach. O que ele viu ou o que ela viu? Uma imagem idealizada do outro.

A pessoa apaixonada centraliza o seu ser na ilusão do romance, acreditando que vai encontrar a si mesmo e a vida em toda sua plenitude. Mas, como a magia nunca dura e a idealização do outro acaba, surge o desencanto. Nessa quebra de encanto, começamos a perceber que a pessoa amada e as projeções colocadas nela são realidades distintas e o que a pessoa projeta na outra são pares de si própria, desconhecidas potencialidades que nunca tocou e nunca conheceu porque sempre tentou vivê-la através do outro.

A pessoa apaixonada não é uma pessoa livre. Ao contrário, procura ser possuída, enlevada, ficar fora de si, enlouquecida pela nostalgia, que é ignorada pela própria ilusão de liberdade.

Todo um conjunto de verdades sobre o romance nos é oferecido inconscientemente e aceitamos sem discutir. Mas para que questionar algo tão maravilhoso de se viver?

Há uma crença até os dias de hoje que o amor romântico é o verdadeiro. Essa crença tem gerado muita infelicidade e frustração na vida de muitas pessoas, impedindo-as de experimentar uma relação amorosa sem algemas. A história do amor romântico apresenta um caráter aprisionador!

Diz -nos a Pedagoga Catarina Ribeiro: "O modelo considerado como falido, de convivência matrimonial, resultado ainda dos estereótipos românticos que conduzem frequentemente os pares ao casamento,hoje passou a ser visto como solução.Cumpre dizer no entanto que para que o casal possa viver de forma saudável e equilibrada as suas experiências sexuais e emocionais, é preciso preservar a privacidade, sem comprometer a intimidade, sem uma relação forçada,onde cada um tenha a sua própria autonomia e viva nos seus próprios espaços (circunscritos ou não aos mesmos imóveis). Nisto, não deixará de estar incluído uma vida de complexidades. Pois a certeza de poder contar com o outro, haja o que houver, manisfesta o partilhar de experiências, anseios, incluindo a tranquilizadora segurança de poder se mostrar ao outro tal como se é, sem máscaras, sem fingimento, sem defesas".
Relação cúmplice e rica é aquela na qual se descansa e se relaxa, não a que tensiona e angustia.

Quando se percebe que o outro é um ser humano e não uma personificação de nossas fantasias, nos ressentimos e reagimos como se tivesse ocorrido uma desgraça. Geralmente culpamos o outro. Todavia somos nós que devemos mudar à nossa percepção, pois somos nós mesmos que precisamos modificar nossas próprias atitudes inconscientes.

Como na história de Romeu e Julieta. O amor morre ou, mais comumente, os dois amantes morrem e são mumificados naquele estado apaixonado, forever . Por que? Porque é a única maneira de garantir que ele continue para sempre como um fóssil.

O amor romântico não é apenas uma forma de amor, mas combinação de idéias. Essas idéias coexistem no inconsciente. Inconscientemente, predetermina-se como deve ser o relacionamento com outra pessoa, o que  se deve sentir e como agir, dominando seus comportamentos e reações.

O amor romântico não deve ser confundido com momentos românticos do amor. O primeiro não se perpetua e o segundo pode se manter durante o tempo que a relação permanecer. Contudo, o casal pode permancer juntos até que a morte os separe, sem o amor romântico, bastando a cada dia o seu próprio limão para limonar.