quinta-feira, 13 de outubro de 2011

"Although I search myself, it's always someone else I see" Elton John (Embora eu me procure a mim mesmo, é sempre outro alguém que vejo)


QUEM SOMOS NÓS?


Gostaria que a palavra FRAUDE não fosse entendida como atitude fraudulenta, mas por ausência de unidade subjetiva. Sendo assim, quem seríamos nós? Uma sucessão de instantes!


No livro Another Country, Another King do bispo da Igreja Episcopal Escosesa, Richard Holloway, lemos nas páginas 112,113 assim traduzida:


" Cristãos profissionais, líderes de igrejas ou pregadores, têm plena consciência de que são contradições ambulantes, fraudes autorizadas. Por outro lado, como figuras públicas, somos representantes da mensagem cristã, e as pessoas projetam em nós suas expectativas e anseios pessoais (...). Por dentro, temos tantas dúvidas, temores, ansiedades, cobiças quanto qualquer outra pessoa (...). Deus recorre efetivamente a fraude que somos, criaturas falhas e confusas, para dirigir às pessoas, confrontando-as, desafiando-as e consolando-as. Tornamos uma vez mais à ambiguidade, à ambivalência. A carne, o sangue e as neuroses galopantes ainda nos controlam em grande parte, mas Deus nos usa mesmo assim."


Após lermos as sinceras palavras do bispo Holloway, parece que o filósofo grego, Sócrates percebia há muitos anos atrás, as manifestações de ambiguidades, à natureza humana ao fazer o uso da sua máxima: "conhece-te a ti mesmo", declaração que nos conduz a internalização, um olhar para dentro, na tentativa de sabermos quem somos. Sim!
Quem somos nós? Ao lermos o escritor Fernando Pessoa, deparamo-nos com sua genialidade, incorporada em mais de vinte heterônomos. Ele conseguiu desalojar do seu interior várias identidades, quando ele era uma única pessoa. O mais interessante, que ao escrever os seus heterônomos, Fernando deu a cada um, pensamentos e sentimentos diferentes.
Na música interpretada por George Michael e Elton John, econtramos a declaração: "Although I search myself, it's always someone else I see" (Embora eu me procure a mim mesmo, é sempre outro alguém que vejo). Segundo o entendimento do filósofo empirista David Hume, nós somos uma sucessão de intantes. O que somos agora não seremos mais num rápido momento.




O heterônomo Álvaro de Campos dizia ser ele o "espaço entre vários fatos e épocas" em sua vida. Ele era o intervalo entre o que ele desejava, o seu eu e os anseios desejosos dos outros na tentativa de determinar o que ele deveria ser. Paulo, personagem bíblico, encontra-se numa situação, cuja identidade o deixou duvidoso ao afirmar: "o bem que quero fazer, não faço, mas o mal este faço continuamente", depois ele interroga, dizendo: "Quem me livrará do corpo desta morte"? Estudiosos do direito romano afirmam que o homicida daquela época, após o crime, tinha o defunto amarrado ao seu corpo, até entrar em estado de putrefação. Parece que Paulo percebia uma outra realidade, vivendo junto a ele e nele. Paulo, que antes se chamava Saulo, precedendo a sua conversão ao cristianismo, identificou que ele não era um, mas dois, ao afirmar que não era ele que cometia o que não queria cometer.Sendo assim, diante do conflito subjetivo do fazer e o não fazer, cabe aqui outra pergunta: pode o homem cometer o mal involuntariamente? Parece que sim, pelo que vimos anteriormente. No entanto, o homem não deixará de sofrer a sanção da lei, se o mal praticado for um ilícito penal.


Quem somos nós? Provavelmente seres sem o direito de ser o que desejamos cujo objeto do nosso desejo não é o desejado. Há um gozo em fazermos o que não queremos realizar. Por que fazemos então continuamente o que não queremos? Porque gozamos. Não repetiríamos se não nos desse prazer! Contudo encontramos dentro de nós um outro personagem que tememos que seja descoberto. Declara Paul Tourneir: "O marido [noivo, namorado] se descobre capaz de dizer à esposa, à noiva, à namorada, no auge de uma discussão, palavras maldosas de perfídia e mesmo grosseiras incríveis. [Muitas das vezes não só diz como escreve cartas, cujo conteúdo transmite as mais duras e irreprováveis palavras]. Como é possível? Ele que é sempre tão fino, tão distinto, tão senhor de si. Jamais ele se conduziria assim como uma outra pessoa. É justamente porque a ama, a paixão furiosa pode tomar conta dele até tal ponto. Estranha inversão do amor! Ele fica aterrado, não somente com o seu comportamento, mas principalmente pelo fato de existir dentro de si coisas categoricamente inaceitáveis.Fantasias secretas, imagens obscenas, covardia vergonhosa, sentimentos criminosos nos invadem. Sentimos-nos muito humilhados não é somente pelo o que descobrirmos em nós, mas por sermos impotentes para apagar essas realidades no nosso ser escondido e no aparente. Não suportaríamos se essa realidade oculta fosse revelada".


"A porta da verdade estava aberta, mas só deixava passar meia pessoa de cada vez. Assim não era possível atingir toda a verdade, porque a meia pessoa que entrava só trazia o perfil de meia verdade, e a sua segunda metade voltava igualmente com meios perfis e os meios perfis não coincidiam verdade…Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta, chegaram ao lugar luminoso onde a verdade esplendia seus fogos. Era dividida em metades diferentes uma da outra. Chegou-se a discutir qual a metade mais bela. Nenhuma das duas era totalmente bela e carecia optar. Cada um optou conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia." (Carlos Drumond de Andrade).