segunda-feira, 10 de maio de 2010

A ÉTICA DO FARISEU E A DO PUBLICANO



Na parábola que Jesus conta sobre o fariseu e o publicano que foram ao templo para orar, encontramos:

Dois homens subiram ao templo, para orar; um, fariseu, e o outro, publicano.

O fariseu, estando em pé, orava consigo desta maneira: Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como este publicano.

Jejuo duas vezes na semana, e dou os dízimos de tudo quanto possuo.

O publicano, porém, estando em pé, de longe, nem ainda queria levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, sê propício a mim, pecador!

Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele (Lc. 18.10-14)

A parábola é riquíssima. O fariseu segue duas linhas que são: a do não ser e a do fazer

Na linha do não ser ele declara: não sou como os demais homens. Primeira qualidade que ele evoca é a do roubador. Por que será? O publicano que estava do outro lado orando era considerado pela sociedade, um elemento corrupto em virtude de ser cobrador de impostos e de cobrar além daquilo que era devido, ou seja, um ladrão. O fariseu usa a oração para atingir o seu semelhante. O fariseu vai dizer que os homens são injustos mas ele não. Adúlteros mas ele não, tudo isso “graças a Deus” conforme o v.11. Já na linha do fazer ele declina: Jejuo duas vezes na semana e dou o dízimo de tudo quanto possuo.

Aos olhos humanos e por que não dizer aos olhos de muitas igrejas o fariseu era de uma conduta fantástica, Será que ele oraria a Deus, falando algo que fosse mentira ou que ele não fizesse? Seria ele de uma postura ético/moral e religiosa, exemplar? Talvez sim! Contudo, ao acusarmos ou condenarmos alguém por terem condutas éticas e morais não aprovadas, na realidade essa condenação é uma tentativa de escondermos aquilo que está oculto em nós. Aquilo que não conseguimos vencer. Projetamos nos outros a nossa realidade abscôndita, subjetiva. As acusações do fariseu são verdadeiras mas ele não percebia que falava de si mesmo, assim como na sua oração, Jesus vai dizer que ele orava de si para si mesmo (Lucas 18.11). O fariseu era roubador, ele roubava a dignidade do seu próximo, ele era injusto, pois as suas próprias palavras revelavam atos de injustiça. Paulo ao escrever a sua carta ao romanos, faz a seguinte declaração: pois não há um justo nenhum sequer. Por fim o fariseu deixa o adultério como o último da linha do não ser deôntico. Jesus vai dizer que o adultério é o primeiro na linha do ser ao dizer: Porque do interior do coração dos homens que procedem maus pensamentos, os adultérios...(Mc 7.21).

O filósofo alemão Ludwig Feuerbach afirma que Deus não criou o homem mas o homem criou Deus. Em parte o filósofo tem razão. Na realidade o Deus do fariseu não existe, é uma construção do seu imaginário. O imaginário ético e moral desse homem unido a Deus, faz com esse Deus não exista, no momento que o agradece por não ser como os demais (Lc18.11). O deus do fariseu ao preterir o publicano consequentemente preteri ao Deus a quem o publicano dirige a oração. Mas é a oração do publicano que Deus ouvirá concedendo a ele a justificação! (Lc. 18.14). Fica evidente que Deus não justifica ninguém por viver uma vida ética exemplar, mas somente aquele quem Ele substitui.

Os fariseus que acusaram a mulher pega em flagrante adultério, eram todos adúlteros, razão de não terem atirado pedras nela. A tradução interpretativa quem não tiver pecado atire a primeira pedra não é fiel ao texto grego, mas aquele que não tiver cometido o mesmo pecado dela... que seria uma interpretação e tradução fidelíssima do texto. Jesus tratou com um comportamento específico ao que lhe foi apresentado como objeto de acusação, por isso não poderia ser tratado como genérico a situação moral a ele apresentada registrada em (João 8.1-11).

O fariseu subiu ao templo clandestino e desceu pior, reprovado v.14. Subiu sujo desceu mais sujo ainda.

Muitas vezes é melhor nem ir ao templo orar ou até mesmo nem freqüentá-lo.

Entretanto, a oração do publicano ao bater no seu peito foi: Sê propício a mim pecador demonstrando que por traz do seu peito havia sentimentos que ele não conseguia se libertar. A oração do publicano é um pedido angustiante de substituição. O verbo ilasqhti (propício) imperativo passivo, que aparece no texto grego do Novo Testamento, cuja origem vem de ilasmoV seria o mesmo que dizer:

Oh Deus me substitua, assuma a minha culpa tome o meu lugar, faça por mim aquilo que não consigo fazer”

O publicano ao internalizar a sua ética percebeu que sem a substituição o seu interior estaria comprometido. Ele não conseguiria jamais deixar de sentir e de desejar com as manifestações do seu coração. Ele precisava ser justificado. Diz –nos o texto que o publicano foi justificado. O publicano subiu ao templo para orar na condição de fraude clandestina, todavia desceu uma fraude autorizada. O fariseu que era da linha do não ser e do fazer não foi justificado. O fariseu foi reprovado! V.14. O fariseu não internalizou a sua ética, a sua moral. Ele não se percebeu como indigno assim como todo homem é, cujo coração é enganoso e perverso (Jer. 17,9). O fariseu iniciou a sua oração dando graças a Deus v.11. Mas que Deus era esse? Um deus construído a sua própria imagem e semelhança. Um deus feuerbachiano. Um deus que não justifica. O deus do fariseu era o deus do seu próprio imaginário. O deus construído conduz o religioso emitir juízo de valor sobre o seu próximo, ainda que esteja falando de si mesmo.