quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

A GRAÇA E A NORMOSE






Ao lermos o livro NORMOSE A patologia da Normalidade de Pierrre Weil, Jean-Ives Leloup e Roberto Crema, ficamos interessados em manifestar o oxímoro existente entre a normose eclesiástica e a Graça de Deus. Temos ouvido e visto falar muito em neurose, psicose, no entanto, normose é uma nomeclatura nova que vem descrever-nos o significado de uma patologia, isto é, uma doença. Assim como a neurose e a psicose. As palavras cujo o sufixo é ose, exprime a idéia de enfermidade.


A neurose é uma perturbação mental que não compromete as funções essenciais da personalidade e em que o indivíduo mantém penosa consciência de seu estado.Enquanto, a psicose é uma designação comum às doenças mentais.

Na neurose há uma relação de compromisso. Na psicose não há relação com o mundo.

Contudo, que relação tem a Graça com a normose? È uma tentativa um pouco forçosa para alcançarmos a compreensão daqueles que lêem este livro.
Segundo o livro que acabamos de citar, a normose é comparada:

Como o conjunto de normas, conceitos, valores, estereótipos, hábitos de pensar ou de agir, que são aprovados por consenso ou pela maioria em uma determinada sociedade e que provocam sofrimento, doença e morte.

Como pensar sobre a Graça e como agir a respeito dela? Em primeiro lugar Ela não provoca sofrimento, doença, muito menos a morte. Graça é vida. Essa patologia chamada normose pode ser exemplificada com o exemplo a seguir:

“O escritor Tony Campolo, que circula regularmente como orador nas capelas das universidades cristãs, durante algum tempo usou esta provocação para lograr o seu intento: “As Nações Unidas relatam que mais de dez mil pessoas morrem de fome todos os dias, e a maioria de vocês diz : ‘que vão à merda’... Mas o que é ainda mais trágico é que a maioria aqui está mais preocupada com o fato de eu ter pronunciado um palavrão do que com o fato de dez mil pessoas estarem morrendo agora.” A reação foi a prova que ele queria: Tony recebeu uma carta do capelão ou diretor da faculdade protestando por sua linguagem indecente. A carta nunca mencionavam a fome do mundo.
A própria natureza do legalismo incentiva a hipocrisia porque ela define um conjunto de regras que podem encobrir o que se passa por dentro. Em uma igreja, todos aprendem sobre como parecer “espiritual”. A ênfase no exterior torna fácil para uma pessoa fingir, conformar-se, mesmo ignorando ou ocultando os problemas internos. Há pessoas, que com o passar do tempo, sofrem profundos problemas interiores, como o homossexualismo, vícios que não foram resolvidos, mesmo estando na igreja. Tais pessoas aprenderam a se concentrar e se conformar ao comportamento que os cerca (...) Os jogos espirituais que praticamos, muitos dos quais começam com melhor das motivações, podem levar-nos perversamente para longe de Deus. O arrependimento, não o comportamento adequado ou até mesmo a santidade, é a aporta de entrada da Graça (...) Para aqueles que não se rebelam. Mas antes lutam sinceramente para cumprir as regras, o legalismo arma outra ratoeira. Os sentimentos de fracasso podem provocar cicatrizes de vergonha eternas. Como jovem monge, Martinho Lutero passava seis longas horas torturando o cérebro para confessar os pecados que poderia ter cometido no dia anterior! Lutero escreveu:
"Embora vivesse uma vida imaculada como monge, sentia que era um pecador com uma consciência inquieta diante de Deus. Quase não podia acreditar que o tinha agradado com minhas obras. Longe de amar esse Deus justo que pune os pecadores, eu realmente o maldizia eu era um bom monge, e obedecia à minha Ordem tão seriamente que, se um monge pudesse chegar ao céu por meio da disciplina monástica, eu era monge. Todo os meus companheiros no mosteiro podiam confirmar isso... Mesmo assim minha consciência não me dava a certeza de que eu precisava. Ao contrário. Eu sempre duvidava e dizia: 'Você não fez isso certo, você não foi suficientemente contrito. Você deixou aquilo fora da confissão'.
Nem Jesus nem Paulo mencionaram uma queixa final contra o legalismo que me atingisse de uma forma profundamente pessoal. Mencionei amigos que rejeitaram a fé cristã principalmente por causa do legalismo mesquinho da igreja. Meu próprio irmão desfez o namoro com a primeira garota que realmente amou porque ela não era suficientemente “espiritual”, segundo seus padrões legalistas. Durante trinta anos ele tentou fugir desse moralismo blindado e desse jeito acabou fugindo de Deus.”

A norma contida na normose é categoricamente desviante daquilo que muitos bibliolatras acham ser a Graça de Deus. A normose como já foi mencionada é uma patologia. O exemplo do sintoma normótico se evidencia quando lemos às palavras normo-conflitantes do reformador:

Você não fez isso certo, você não foi suficientemente contrito. Você deixou aquilo fora da confissão.

À Graça não é sinônimo de angústia. A Graça como já sabemos é um favor imerecido. Por mais que façamos para acertarmos o alvo, a nossa miopia nos impedirá de acertá-lo com freqüência. Somos nós, o alvo da Graça, e não o contrário.

Um amigo que é médico, recentemente contou-nos sobre a aflição de um Juiz de direito, que estava lutando desesperadamente contra o desejo homossexual. Disse-me ele que encontrou enorme dificuldade em aconselhar aquele magistrado, porque nada mudaria aquele sentimento.
No livro Culpa e Graça de Paul Tournier, identificamos algo de um valor sincero e gratificante ao lermos:

"A culpa do fazer se ligam aos tabus e toda uma atitude moralista, cujos efeitos patogênicos são denunciados pela psicologia moderna. O tabu é uma proibição mágica: ‘isto é impuro, não toque; isto é proibido, não faça’. Tabus são proibições carregadas de angústias ameaçadora. O moralismo procede disso, é a criação real de um código rigoroso de proibições, de um código moral.
A maior parte das pessoas lê a bíblia com este espírito, como se ela fosse um código moral revestido de autoridade sagrada, um conjunto de proibições e prescrições cuja estrita observância deveria nos assegurar uma existência isenta de culpa. Bela utopia, na verdade! Mas como a bíblia não pode ser obedecida em todos os seus detalhes, nasce um desespero, uma angústia neurótica de cometer algum sacrilégio, uma culpa que não encontra solução."

"Muitos cristãos gays são teologicamente bastantes conservadores, um dos líderes me explicou: Recebemos tanto ódio e rejeição da igreja que só continuamos nela porque realmente cremos que o evangelho é a verdade."

Como funciona alguns tribunais eclesiásticos sobre esse assunto:

No livro Protestantismo e Repressão de Rubem Alves, lemos:

Nos tribunais eclesiásticos a moralidade protestante assume a sua forma institucional. A sua função é delimitar fronteiras entre a igreja e o mundo. E, ao punir um crente com a pena de exclusão da comunhão, a Igreja está lhe dizendo: você não é um dos nossos. Não habita o nosso universo. Vá, deixe-nos. Vá, habite o mundo, que é o seu lugar.
Tribunais são métodos para se separar o joio do trigo, os que pertencem e os que não pertencem, os de casa e os intrusos. Entretanto, uma vez instituídos, os seus próprios mecanismos predeterminam os atos que constituem a fronteira entre a salvação e a perdição. Somente são pecados capitais aqueles que são passíveis de um tratamento jurídico. Ora, as disposições do espírito escapam a este tratamento, porque não se apresentam como atos. E assim a justiça civil não pode julgar ninguém pela intenção, também os tribunais eclesiásticos, devido aos seus próprios mecanismos, devem restringir a sua atividade à esfera dos atos cometidos. Somente atos podem ser julgados e punidos. Esta é a razão por que o processo de julgamento só se instaura quando há uma queixa escrita: ‘Fulano fez isto’, queixa que deverá ser comprovada por testemunhas ou pela confissão do acusado.
Resulta daí que os pecados do espírito não podem ser julgados. ‘O essencial é o que é visível aos olhos’, diz a justiça (...) Em última análise, o crente é julgado pelo que ele faz e não pelo que ele é... impera a lógica da justificação pelas obras (...) A genialidade de Lutero foi a de descobrir que tal lógica inevitavelmente produz angústia, pois ela torna o destino do homem dependente do seu virtuosismo moral. Em oposição à justificação pelas obras, Lutero afirmou que somos justificados pela graça: o amor de Deus não é uma resposta divina aos nossos superávits morais, mas um ato totalmente livre, produto exclusivo de sua bondade e amor.